Quando
decidiu partir de Cuba, renunciando a todos os cargos e à convivência
com seus “entes mais queridos” (mulher, filhos, amigos), Che Guevara
sabia que poderia não voltar mais. Na carta a Fidel, afirmou: “…Se minha
hora final me encontrar debaixo de outros céus, meu último pensamento
será para o povo, especialmente para você…” . Para seus pais “queridos
viejos”: “…Muitos me chamam de aventureiro, e o sou, mas de um tipo
diferente, sou daqueles que colocam a vida em jogo para demonstrar as
suas verdades. É possível que esta seja a definitiva. Se tiver que ser,
então este é meu último abraço…”. Para Aleida March, sua última
esposa, deixou uma fita em que recita poemas de amor, vários de Pablo
Neruda, seu poeta favorito. Para os filhos, uma carta: “…Seu pai
foi um homem que agiu de acordo com suas próprias crenças e sem dúvida
foi fiel às suas convicções… Cresçam como bons revolucionários. Estudem
muito…Acima de tudo, procurem sentir profundamente qualquer injustiça
cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo…..Até sempre,
filhinhos. Ainda espero vê-los de novo. Um beijo grande de verdade e um
abraço apertado do seu papa…”
“…Deixo-lhe um olhar que sempre traz (como passarinho ferido) ternura e a memória indelével (sempre latente e profunda) das crianças, que um dia você e eu concebemos, e o pedaço de vida que resta em mim, isso eu dou (convicto e feliz) à revolução…” (De Che para Aleida, escrito às vésperas de sua morte).
As primeiras batalhas
As primeiras batalhas
sob outros céus se deram no Congo, África, no ano de 1965. Não deu
certo. Então voltou para nuestra América Latina e escolheu a Bolívia
como ponto de partida para a libertação do Continente. Chegou a
Nancahuazú, interior boliviano, no final do ano de 1966. Em março de
1967, a guerra começou.
A Agência Central de
Inteligência dos Estados Unidos, a famigerada CIA, acompanhava os passos
de Che. Ela participou direta ou indiretamente de todos os golpes de
Estado ocorridos na América Latina, para garantir a continuidade do
domínio imperialista dos EUA.
Mas a CIA não é
onipresente. Seus dirigentes acreditavam que Che tinha morrido no Congo.
Eles só desconfiaram que o comandante Ramon era o Che, com a prisão de
dois desertores da guerrilha, fato que ocorreu logo após as primeiras
escaramuças. E tiveram a confirmação com a captura de Régis Debray,
escritor francês, e Ciro Bustos, enviado por Che para abrir uma frente
guerrilheira na Argentina. Debray não suportou a tortura e revelou que
“Ramon” era, na verdade, Ernesto Guevara, el Che.
Desde então, o governo
dos EUA agiu rápido, pois não acreditava na capacidade das Forças
Armadas Bolivianas, que, aliás, até o momento sofrera apenas derrotas. É
o que afirma o principal agente enviado pela CIA para orientar e
acompanhar a operação, Félix Rodriguez Lopez, o capitão Ramos. Ele era
cubano de origem, se naturalizara norte-americano e combatia a Revolução
desde o início. Afirma Lopez: “…O Exército boliviano estava totalmente
despreparado para enfrentar uma guerrilha. A maior parte dos soldados
trabalhava na construção de estradas e provavelmente jamais dera um tiro
de fuzil. Nos primeiros embates, os guerrilheiros aprisionavam os
soldados, tiravam suas roupas e os soltavam..”.
A Intervenção da CIA
Imediatamente, um grupo
de “boinas verdes”, tropa especializada no combate a insurreições foi
enviada para treinar o Exército da Bolívia, tendo formado o corpo de
RANGERS, que recebeu a missão de desbaratar o grupo guerrilheiro e caçar
o Che. Félix Rodriguez chegou à Bolívia no dia 1º de agosto.
Sem o apoio do Partido
Comunista Boliviano, que fez exigências impossíveis de serem aceitas por
Che, como a de ficar com o controle total da guerrilha (Che concordava
em ceder apenas o comando político, ficando com o militar), sem o apoio
dos camponeses, uma vez que na área escolhida não havia nenhum trabalho
político prévio, o grupo ficou isolado.
Che dividira sua pequena
tropa em duas colunas, uma comandada por ele e a outra por Juan Joaquin
Vitalio Acuna. Joaquin participou da coluna de Che durante todo o
período da guerra revolucionária em Cuba, assumindo função de comando
nos últimos dias antes da tomada do poder. Era o mais velho do grupo,
com 41 anos.
Em agosto, os dois
grupos tinham perdido o contato e estavam à procura um do outro. A
coluna de Joaquin, entretanto, traída por Honorato Rojas, o único
camponês da região que estava apoiando a guerrilha, sofreu uma
emboscada. Todos foram exterminados, inclusive a lendária Tania, a
militante comunista alemã Tamara Bunke.
No início de outubro,
foram cercados os vinte homens que restavam. Apenas cinco combatentes
escaparam: três cubanos (Harry Pombo Villegas, Dariel Alarcón Ramirez
–Benigno e Leonardo Urbano Tamayo) e dois bolivianos (Inti Peredo e
David Adriazola –Dario).
Che atirava por trás de
um rochedo, quando um tiro inimigo inutilizou sua carabina M-2. Sem a
arma e ferido por uma bala na perna esquerda, o Comandante foi capturado
e aprisionado numa escola do povoado de La Higuera. Era 8 de outubro de
1967.
Assassinato a sangue frio!
No dia seguinte, o
grande revolucionário foi assassinado friamente. O executor foi o
sargento Mario Terán, que pediu para fazê-lo porque queria se vingar de
três colegas mortos no combate do dia anterior.
E quem deu a ordem de
execução? Segundo Félix Rodriguez, foram as autoridades bolivianas, pois
a CIA queria que Che fosse levado para a base militar estadunidense no
Panamá, onde seria interrogado. A ordem teria partido do próprio
presidente, o ditador-general Renê Barrientos. Mas Félix Rodriguez
reconhece que poderia desobedecer Zenteno Anaya, chefe militar que
recebera as ordens de matar Che, retirá-lo dali e levá-lo para o Panamá,
pois havia aviões norte-americanos esperando para transportá-lo, mas
preferiu não fazê-lo. E ainda colaborou com a farsa de que Che havia
sido morto em combate, ao orientar o sargento Terán a atirar do pescoço
para baixo, para passar a impressão de que não houvera a execução de um
prisioneiro sem o devido processo legal, contrariando as regras
internacionais de tratamento dos presos em combate. Não apenas Che, mas
todos os outros prisioneiros foram assassinados friamente.
Félix Rodrigues
acompanhou o corpo de Che no helicóptero que o conduziu para a cidade de
Vallegrande, onde ficou exposto ao público e depois foi sepultado
clandestinamente, com as mãos decepadas. Os restos mortais só viriam a
ser encontrados 30 anos depois, graças às revelações do general Vargas
Salinas e do major Andrès Selich, que comandaram a operação de execução e
ocultação do cadáver.
Che vive, já os seus algozes….
Quase todos os que
participaram do assassinato de Che Guevara tiveram fim trágico e estão
lançados na lata de lixo da história. Alguns exemplos:
- General René Barrientos Antuño, presidente da Bolívia na época e um dos que decidiram pela execução de Guevara: morreu carbonizado num acidente de helicóptero em abril de 1969. As circunstâncias do ocorrido nunca foram completamente esclarecidas
- Major Andrés Selich, chefe dos rangers que capturaram Che e um dos últimos a falar com ele em La Higuera: morreu sob tortura em 1973, durante a ditadura do general boliviano Carlos Hugo Bánzer
- General Juan José Torres, chefe do Estado-Maior do Exército e um dos que decidiram a morte de Che: foi assassinado na Argentina em fevereiro de 1976, durante a “guerra suja”
- Coronel Joaquín Zenteno Anaya, comandante da zona militar onde ocorreu o assassinato de Che: morreu vítima de um atentado fatal em Paris. Quem assumiu o assassinato foi a desconhecida “Brigada Internacional Che Guevara”
- Coronel Toto Quintanilla, um dos principais chefes da polícia política na Bolívia durante o governo Barrientos: após a execução de Guevara, preocupado com possíveis atentados, pediu para ir para a Alemanha, onde trabalhou como cônsul em Hamburgo. Foi assassinado em novembro de 1970, num atentado assumido pelo Exército de Libertação Nacional (ELN), grupo peruano revolucionário criado e dirigido por Hector Bejar e Juan Pablo Chang, este morto com Che na guerrilha
- General Gary Prado, prendeu Che Guevara: em 1981, foi baleado numa reunião de militares e ficou paraplégico.
- Honorato Rojas, o agricultor que havia delatado o grupo de Joaquin e preparado a emboscada em 31 de agosto (que acabou com a morte de nove guerrilheiros): foi encontrado e executado em 14 de julho de 1969, pelo ELN.
Já o Che, continua mais
vivo do que nunca nas mentes e nos corações de milhões de pessoas em
todo o mundo. Desde o povoado de La Higuera, onde foi morto, até as
selvas mexicanas (zapatistas), os movimentos populares
latino-americanos, Europa, Ásia, África e o próprio coração do
Imperialismo, os EUA. Para o povo de La Higuera, ele é um santo a quem
recorrem em suas necessidades; para os demais, é exemplo do Homem Novo,
coerente, íntegro, pleno de profundo sentimento de amor, capaz de
renunciar a tudo e doar a vida pela causa da libertação dos oprimidos.
Assim falava, assim o fez. Hasta La Victoria, Siempre, Comandante!”
Nota: por proposta
do presidente Fidel Castro, a celebração a Che Guevara ocorre
mundialmente no dia 8 de outubro, data do seu último combate, e não no
dia de sua morte.
José Levino é historiador
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