quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

SAÚDE DO POVO, DESCASO DO ESTADO artigo de Frei Betto

Publicamos artigo do companheiro Frei Betto sobre a crise na saúde

Saudações em defesa do SUS 

CMP RJ


Filas, falta de médicos e profissionais: a crise anunciada no atendimento do SUS
A mobilização popular é fundamental para a defesa do SUS Público e Universal

O neoliberalismo deu um tiro de misericórdia no Estado  de bem-estar social. Destruiu os vínculos societários nas relações de  trabalho, deslegitimou a representação sindical, deslocou o público para o  privado. O que era direito do cidadão, como a saúde, passou a depender das  relações de mercado e da iniciativa pessoal do  consumidor.

Quem não tem plano privado de saúde entra  na planilha dos cemitérios. Hoje, 40 milhões de brasileiros desembolsam, todo  mês, considerável quantia, convictos de que, doentes, serão atendidos com a  mesma presteza e gentileza com que foram assediados pelos corretores das  empresas de saúde privada.

Os clientes se multiplicam e os planos proliferam, sem  que a rede hospitalar acompanhe essa progressão. O associado só descobre o  caminho do purgatório na hora em que necessita de resposta do plano:  laboratórios e hospitais repletos, filas demoradas, médicos escassos,  atendentes extenuados.

Em geral, o pessoal de serviço, que faz contato  imediato com os beneficiários, não demonstra a menor disposição para o melhor  analgésico à primeira dor: gentileza, atenção, informação sem dissimulação ou  meias palavras.

Ora, se faltam postos de saúde e hospitais; se  consultórios têm salas de espera repletas como estação rodoviária em véspera  de feriado; se na hora da precisão se descobre que o plano é bem mais curvo e  acidentado do que se supunha... a quem recorrer? Entregar-se às mãos de  Deus?

O Brasil é o país dos paradoxos. O que o  governo faz com u’a mão, desfaz com a outra. O SUS banca 11 milhões de  internações por ano. Muitas poderiam ser evitadas se o governo tivesse uma  política de prevenção eficiente e, por exemplo, regulamentasse, como já faz  com bebidas alcoólicas e cigarro, a publicidade de alimentos nocivos à saúde.  A obesidade compromete a saúde de 48% da população.

Entre nossas crianças, 45% estão com sobrepeso, quando  o índice de normalidade é não ultrapassar 2,3%. De cada cinco crianças obesas,  quatro continuarão assim quando adultos. No entanto, as leis asseguram  imunidade e impunidade a uma infinidade de guloseimas e bebidas, muitas  anunciadas ao público infantil na TV e em outros veículos. Haja excesso de  açúcares e gordura saturada!

A boa-fé nutricional insiste na importância de  verduras e legumes. Mas a ANVISA (vigilância sanitária) não se empenha para  livrar o Brasil do vergonhoso título de campeão mundial no uso de agrotóxicos.  Substâncias químicas proibidas em outros países são encontradas em produtos  vendidos no Brasil. Haja câncer, má-formação fetal, hidroencefalia  etc!

Entre 2002 e 2008, os acidentes de moto  se multiplicaram 7,5 vezes no Brasil. Na capital paulista, são 4 mortes por  dia. Muitos motoqueiros sobrevivem com graves lesões. No entanto, a  fiscalização de veículos e condutores é precária e as vias públicas não são  adaptadas ao tráfego de veículos de duas rodas.

Quem chega ao Brasil do exterior deve preencher e  assinar um documento da Receita Federal declarando se traz ou não  medicamentos. Em caso positivo, o produto e o passageiro são encaminhados à  ANVISA. Ora, toneladas de veneno entram diariamente por nossos portos e  aeroportos, e são vendidos em qualquer esquina: anabolizantes, energizantes,  enquanto a TV veicula publicidade de refrigerantes com alto teor de cafeína e  poder de corrosão óssea.

Embora todos saibam que saúde, alimentação e educação  são prioritárias, o Ministério da Saúde dispõe de poucos recursos, apenas 3,6%  do PIB, o que equivale, neste ano de 2011, a R$ 77 bilhões. Detalhe: em 1995 o  governo FHC destinou, à saúde, R$ 91,6 bilhões. A  Argentina, cuja  população é cinco vezes inferior à do Brasil, destina anualmente duas vezes  mais recursos que o nosso país.

Nossa saúde é prejudicada também pelo excesso de  burocracia das agências reguladoras, a corrupção que grassa nos tentáculos do  poder público (vide o prontuário da Funasa na sua relação com a saúde  indígena), a falta de coordenação entre a União, os Estados e os municípios.  Acrescem-se a mercantilização da medicina, a carência de médicos e sua má  distribuição pelo país (o Rio tem 4 médicos por cada 1.000 habitantes: o  Maranhão, 0,6).

Governo é que nem feijão, só funciona na panela de  pressão. Se a sociedade civil não exigir melhorias na saúde, no atendimento do  SUS, no controle dos planos privados e dos medicamentos (pelos quais se pagam  preços abusivos), estaremos fadados a ser uma nação, não de cidadãos, e sim de  pacientes – no duplo sentido do termo. E condenados à morte precoce por  descaso do Estado.



Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder”  (Rocco), entre outros livros.  www.freibetto.org -  twitter:@freibetto

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